Morremos em cada palavra
não dita
em cada gesto contido
em que o toque involuntário
nos retrai.
Morremos ainda, ao dobrar aquela esquina
onde, por acidente, nos cruzamos
e logo nos apressamos
a fingir-mo-nos
de estranhos.

E os olhos procuram a fuga que urge,
no chão
meio palmo à frente dos sapatos
baços,
no desleixo da graxa.

E seguimos caminho
segurando com firmeza
a cabeça,
não fosse uma fraqueza...

Passam as semanas
passam os meses
os anos
E é sempre mudos que nos achamos
e desachamos
nas voltas imprevistas do tempo

É a besta do orgulho
ditador e mesquinho
a quem nos vendemos por impulso
a impor-nos agora
a sua absoluta razão!

Mas não será esta razão
uma covarde mentira?

Há muito que nos deixámos de ser
preferindo não estar
para não ver
para não sentir
E fecha-mo-nos no nosso mundo
de ostra
protegendo-nos do desprezo
das pérolas...