Já não me espantam as curvas obliquas dos dias, quando, à tardinha, pego naquele mesmo livro que já esteve para ser lido não sei quantas vezes e com ele me sento no meu velho maple de veludo grená, empalidecido pelo mesmo tempo que me amarrotou as feições lisas do rosto. Mais uma vez o poiso no colo distraído e me rendo ao cansaço e ao mesmo abandono de todos os instantes suspensos no relógio sem pêndulo, que, lá no seu canto esquecido, do outro lado da sala, há muito que passou a rodar no sentido contrário, dando horas que já foram sem que ninguém tivesse dado por isso ou lhe contrariasse aquela estranha marcha sem sentido.

Acordo estremunhada e é aí que reparo que pela janela envidraçada, vai entrando mesmo sem licença, a claridade da noite que entretanto se foi chegando silenciosamente e se apoderou do resto que o dia não conseguiu segurar por mais tempo.
Levantei-me a custo, peguei na bengala e com passinhos curtos e entorpecidos, caminhei até à estante onde voltei a colocar cuidadosamente o livro que não li...
Lá fui cambaleante, apalpando a escuridão estreita daquele corredor que, subitamente, me vai parecendo cada vez mais comprido.

1 impulsos:

sonho disse...

Ao longo da nossa vida há sempre um livro que ficar por ler...tal como deixamos coisas por fazer...
Beijo d'anjo