Regressei há dias, ainda que poucos tivessem dado pela minha volta. Mas voltei sorrateiramente, no dia certo e na hora exacta de um Setembro inesperadamente quente...
Cheguei disfarçado de um Verão serôdio, fora de tempo. Talvez por isso, tenha passado despercebido aos olhos dos mais distraídos, que se escondem na sombra do calor e se recusam a abandonar as praias meio desertas, numa tentativa desesperada de prolongar na pele o tom de bronze que lhes fica tão bem.
É vê-los sentados nas esplanadas à beira mar plantadas, lotadas até à última cadeira vaga que se acabou de ocupar de um traseiro ainda húmido e salgado...
... de copo de cerveja fresca na mão e conversas entrecaladas de sorrisos e gargalhadas que se desprendem das bocas, entre uma e outra baforada de fumo que um cigarro aceso entre os dedos, vai alimentando a fogo a tarde que se alonga até ao lusco fusco do dia que se finda num céu avermelhado e prometedor de uma noite serena, sem qualquer rasto de vento que a despenteie...
Mas desenganem-se todos os que me ignoram e se fazem de desatentos... porque eu voltei e trouxe comigo as folhas amarelecidas e vermelhas, que muito em breve pairarão pelos ares, despindo as árvores e oferecendo-lhes um tapete crocante que os vossos passos apressados não se cansarão de mastigar no caminho de ida e de volta, em qualquer lugar e para onde quer que vão.
Trago também as vindimas, presas nos cachos das uvas doiradas e maduras, que se dão e se espremem no ventre do vinho doce, desejoso do seu fervor que só culminará no escuro sossego da adega.
Trago ainda, as promessas da chuva que se atrasou na vinda, mas que virá.
Chamo-me Outono e voltei para vos lembrar de que o Verão já se foi... ainda que pareça que não!



Não é o desprezo que me incomoda. Ele é só o fruto de uma ferida localizada bem no meio de um orgulho estupidamente cobarde, que não soube sarar de outra forma... sim, o desprezo é uma arma poderosa!
O que me incomoda mesmo, é nunca chegar a saber o que o gelo da aparente indiferença, grita nas entrelinhas do abismo de silêncios que ele próprio cavou...




Às vezes
Não é preciso dizer nada...

Os olhares cúmplices
E as mãos entrelaçadas
Dizem o tanto
Que o silêncio afaga...

E as bocas
Permanecem caladas
Para que se não gastem
Os verbos importantes
Que mais tarde
Nos poderão fazer falta

Noutras conversas...
Noutros instantes...

Onde o silêncio
Por si só
Não bastará

E aí
Urge falar
A verdade!

Aquela verdade
Límpida
Pura
E cristalina
Como a água

Do sentimento
Que se esconde envergonhado
Por detrás de um beijo molhado...

... dos nossos corpos suplicantes
Dos nossos gestos nus
E dos nossos olhares mudos

De desejos
Inconfessáveis...



Estranhamente, dou comigo a segurar o queixo com ambas as mãos, inconscientemente alheia a tudo o que me rodeia.
Não me lembro de nada do que me perguntaste, ou sequer se me perguntaste alguma coisa...
Desliguei o botão da realidade a partir daquele instante em que a nossa conversa passou a ser um simples monólogo teu e as minhas sucessivas tentativas de participação e manifestações de entusiasmo, pura e simplesmente foram ignoradas. A minha boca foi obrigada a permanecer calada ainda que se tivesse aberto numa clara menção de intenção de falar, cheia de vontade de proferir ideias e pontos de vista. Tornaste-te o dono e senhor da palavra, remetendo-me ao silêncio involuntário com o papel de simples ouvinte, como tanto te convinha.
A tua determinação em mostrar o poder de liderança numa simples conversa banal, onde só tu é que contavas, onde só tu é que eras importante e tinhas coisas igualmente importantes para dizer, subestimando o que eu pudesse ter igualmente de importante para contar. Que ridícula forma essa que tens de te te afirmar!
Por isso, deixei de te ouvir e até de te ver, embora o meu corpo permanecesse diante de ti, com os olhos fixos no vazio cada vez maior, que as tuas palavras criavam em torno de nós.
A apatia tomou conta de mim e a minha mente salvou-me daquele purgatório, pegando nos meus pensamentos e voando dali para fora. Para bem longe do deserto onde me tinhas aprisionado e feito refém da tua mania egocêntrica de ser, teimosamente insistindo sempre em representar esse teu enfadonho e tão ridículo papel principal...



Hoje matei um poema!

Assassinei-o a sangue frio ainda antes de ele nascer, quando o apanhei distraído a desenhar-se-me no vácuo do pensamento. Asfixiei-o até ao fim e nem senti qualquer remorso pelo acto do aborto... estrangulando-lhe sem piedade as artérias das palavras medonhas que se haviam gerado contra a minha vontade após ter ingerido alguns goles de sémen envenenado pela inveja da vingança estéril, num devaneio da minha mente. Caiu redondo no chão como um fruto apodrecido muito antes do tempo...
Ninguém viu nada, ninguém ouviu um só gemido que fosse. Matei-o pela calada do meu silêncio, antes que o parisse num impulso e o abandonasse à sua sorte e à luz do dia, numa qualquer valeta pestilenta onde outros o encontrassem e o matassem de desprezo...